* Publicado originalmente no Guia Cultural do Editorial J, projeto especial da disciplina de Estágio do curso de Jornalismo da PUCRS.
Ser portador de deficiência física é um fator que complica, mas não impede o acesso à cultura em Porto Alegre. Espaços mal projetados com corredores estreitos demais ou equipamentos que deveriam ajudar pessoas com dificuldade de acesso quebrados são apenas exemplos do descaso de instituições públicas e privadas. Por esse motivo, o Editorial J não poderia deixar de fazer uma seleção de locais culturais em que o acesso é universal.
Uma dificuldade constante
Em 2011, a psicóloga Vitória Bernardes, 26, foi impedida de assistir um filme no Cinemark do shopping Bourbon Ipiranga, em Porto Alegre. Ao chegar, verificou que os espaços dedicados a cadeirantes no cinema eram desconfortáveis e que havia outras poltronas vagas. Ao questionar se algum funcionário poderia ajudá-la, o gerente do cinema alegou que a estrutura do estabelecimento era preparada apenas para pessoas “normais”. O caso ganhou grande destaque na impressa devido à mobilização de pessoas indignadas nas redes sociais.
O professor de história Júlio Alcântara, 31, já chegou a perder um curso em uma escola de música em Porto Alegre, pela sua condição de cadeirante. Após receber uma bolsa, foi informado de que seria impossível ter acesso ao lugar de ensino, pois este se localizava no terceiro andar e não havia rampas e nem elevadores no prédio. “O pior é sentir que você não é benvindo e que ninguém pensa em como a pessoa se sente”, relata.
Porém, só a instalação de rampas não é suficiente para que um local seja considerado acessível. Pessoas com deficiência visual precisam de audiodescrição de peças audiovisuais e de exposições, material em braille para leitura, além de acesso garantido para cão-guia, quando utilizado. Para os surdos, é indispensável que intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais) bem treinados os atendam e que os filmes possuam legendas em tamanho e cores adequadas.
Por vezes, ainda acontece de o espaço ser adaptado de forma mal-ajambrada. Rampas inclinadas demais, profissionais mal instruídos e falta de manutenção dos equipamentos são constantes para quem quer ter acesso à cultura. A Biblioteca da PUCRS, por exemplo, possui elevadores para acesso a todos os andares, entretanto, é bastante difícil que um cadeirante possa se locomover de uma maneira confortável entre os corredores de prateleiras para escolher um livro. Já na biblioteca da UERGS, que fica no Centro Cultural Érico Veríssimo, a adaptação do espaço cheio de escadas foi realizada com elevadores próprios para cadeiras de rodas. No momento de demonstrar a sua utilização, entretanto, o equipamento não funcionava. “Usamos tão pouco o elevador que nem sempre conseguimos saber se a bateria está bem carregada ou os motores funcionando”, justifica a bibliotecária Valéria Frantz, 41. Para ela, o motivo de pouca utilização não é a falta de demanda. “Gente que precisa acessar a biblioteca sempre tem. O que mais se vê é como os cadeirantes estão conseguindo se locomover melhor pela cidade. Falta é publicidade. Ninguém sabe que este serviço existe aqui”, alega.
A intérprete de Libras Ana Silva, 38, esclarece que encontrar profissionais bem treinados no mercado é um desafio: “Não basta fazer os cursos da área e passar com boas notas. Para lidar com o ser humano é necessário ter muita empatia.” Silva comenta também que tratar o portador de necessidades especiais como uma criança ou em tom de pena é um dos maiores desrespeitos, porém o mais comum. “Ninguém gosta de ser tratado como um coitado”, salienta.
Guia de espaços culturais acessíveis
Centro Cultural Érico Veríssimo
O Centro Cultural Érico Verísissimo é um dos locais com melhor acessibilidade para portadores de necessidades especiais. A casa oferece elevador para todos os andares, os equipamentos contam com instruções em braile nos botões internos e externos, além de possuir avisos sonoros que dizem qual o próximo andar a ser visitado (assista o vídeo).
A Biblioteca da UERGS, que se localiza no sexto andar da casa, conta com elevador especial para permitir o acesso à parte baixa, onde ficam estantes, mesas e prateleiras. A distância entre os móveis é bastante adequada e propicia a locomoção de uma maneira fácil. É possível ainda ler publicações em braille. Dentre os materiais disponíveis, destacam-se exemplares de literatura infanto-juvenil e livros sobre acessibilidade.
Santander Cultural
O Santander Cultural conta com rampas e elevadores para acessos a todos os pisos. As entradas para os cinemas também são acessíveis a cadeirantes. A maioria dos filmes conta com legendas e, dependendo da sessão, alguns contam com audiodescrição.
Margs – Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli
Apesar da entrada opulenta, o acesso de cadeirantes no Museu de Arte do Rio Grande do Sul se dá através de uma discreta porta no lado esquerdo do prédio. Entretanto, há rampas que possibilitam a locomoção entre todos os espaços. A audiodescrição das exposições fica por conta da organização de cada mostra.
Memorial do Rio Grande do Sul
O Memorial do Rio Grande do Sul também conta com uma porta lateral para acesso de cadeirantes. Dentro do prédio, elevadores garantem o acesso a todos os pisos. A equipe de recepção é treinada para orientar portadores de necessidades especiais a respeito das exposições, caso julguem necessário.
Casa de Cultura Mário Quintana
A CCMQ possui diversos empecilhos para que pessoas com dificuldades de locomoção acessem o espaço. Nem todos os locais contam com rotas alternativas que não tenham grandes degraus e, na entrada, existe uma série de postes que ainda sobram da lenta reforma inacabada na fachada do prédio. Apesar disso, é lá que se encontra um grande acervo de livros em braille e audiolivros.
O setor braille pertence, na verdade, à Biblioteca Pública do Estado, mas está alocado no primeiro andar da CCMQ devido às reformas que acontecem no prédio da sede. O historiador e responsável pelos projetos especiais da Biblioteca, Jeferson Monteiro, conta que a reforma já está sendo feita levando em conta as necessidades de acessibilidade. “A grande dificuldade de lidar com prédios antigos é o licenciamento e os cuidados para não desfigurar o desenho do prédio”, salienta.
No setor é possível pegar emprestado as obras solicitadas no vestibular da UFRGS em braille e áudio. Parte do acervo foi impresso pela própria equipe do setor com um dos poucos equipamentos para este fim que existem no Rio Grande do Sul.
Uma outra boa opção é utilizar o serviço de audições individuais oferecido pela Discoteca Natho Henn, que fica localizada no quarto andar da Casa. O espaço conta com músicas de todos os gostos, com apreço especial aos grandes clássicos.
Usina do Gasômetro
A Usina do Gasômetro possui rampas nos principais acessos e é bem fácil para usuários de cadeiras de rodas transitar pelos espaços das galerias. No momento, o Teatro Elis Regina, localizado no segundo andar, está em reforma; porém, rampas estão sendo construídas para garantir acessibilidade.
Fotos: Gabriel Galli